“Eu amo a humanidade, mas admiro-me de mim mesmo. Tanto mais amo a humanidade em geral, quanto menos amo as pessoas em particular, como indivíduos. Muitas vêzes tenho sonhado apaixonadamente em servir à humanidade, e talvez tivesse verdadeiramente subido ao calvário por meus semelhantes, se tivesse sido preciso, muito embora não possa viver com ninguém dois dias no mesmo quarto. Sei-o por experiência. Desde que alguém está junto de mim, sua personalidade oprime meu amor-próprio e constrange minha liberdade. Em 24 horas, posso mesmo antipatizar com as melhores pessoas uma, porque fica muito tempo na mesa, outra, porque está resfriada e só faz espirrar. Torno-me o inimigo dos homens, apesar se acham êles em contato comigo. Em compensação, invariavelmente, quanto mais detesto as pessoas em particular, tanto mais ardo de amor pela humanidade em geral.”
(Trecho de Os Irmãos Karamázovi )
I
Soavam 22:50 no relógio da Central.
Era uma noite gélida e sombria de Maio.
Rajadas sibilantes de setentrião farfalhavam as folhas das arvores em um ranger medonho. Dir-se-ia que a criação gemia o parturejar de mais um desastre.
A lua, como que um ponto pálido, ia quase imperceptível no céu. Nenhuma estrela cintilava no firmamento.
Apenas as trevas testemunhavam os transgressores das horas que a natureza conferiu ao sono.
Em tal hora, as ruelas circunvizinhas a Rua da Alfândega, ocultam seres animalescos, vagabundos ociosos, maltrapilhos e delinquentes.
Pirusão, enfurnado em seu agasalho, vagueava próximo a Uruguaiana, em meio a esfuziantes ventanias, que o levavam a ter tremedeiras.
- To com frio – Disse de si para si mesmo, se encapuzando em seguida.
Quando o acender de um fósforo e um burburinho, em um beco imundo, chamaram-lhe a atenção.
- Vamo apertar um boldo, aqui!
- Demoro.
Pirusão sustentou fixamente o olhar e conseguiu distinguir dois rapazes. Dois mancebos no limiar da vida adulta, de aspecto amarelado e debilitado. Cada qual trajando uma camisa peculiar. O primeiro utilizava uma camiseta com desenho de Che Guevara. Ao passo que na do segundo havia o emblema de uma foice e martelo. Ambos tinham o cabelo ao estilo dreads. Percebia-se pelas maneiras que eram universitários.
Um deles notando Pirusão aproximou-se tropegamente, no intuito de divulgar o jornal do partido, bem como outros panfletos.
De perto Pirusão pode notar-lhe melhor. Era uma criança com o espírito perturbado por alguma desgraça existencial, trazia consigo um ar taciturno, um semblante sombrio e pensativo. Suas maneiras eram lerdas, posto que tentasse afetar desembaraço e eloquência.
- Com licença. Posso te apresentar o jornal do nosso partido e alguma de nossas ideias – disse o rapaz.
Em seguida, aquele garoto de 18 anos, recém-saído da adolescência, que mal enfrentou um problema prático, mas julgando-se ter uma visão correta da sociedade, pobreza e do mundo, entabulou um panegírico em que apresentava soluções de problemas que abarcavam de grupos oprimidos até o meio ambiente planetário. Verdadeiros arroubos megalomaníacos, frente os quais, os disparates de um Dom Quixote ou Quincas Borba, parecer-se-iam um silogismo proferido pelo mais lúcido dos homens.
- Abaixo o sistema..as religiões..a burguesia..os puritanos, os católicos, os evangélicos..os militares, os policiais.. os banqueiros.. Pelo fim do capital..do imperialismo ianque..do patriarcalismo, do machismo, da heteronormatividade..Contra os reacionários, os jovens alienados..Contra a depredação do ecossistema planetário por causa do lucro..Super o capitalismo, a alienação..
Eram com chavões desse tipo que o jovem esquerdista concebia o mundo em termos de culpados e vitimas. Pirusão fitava-o com um misto de comiseração e ceticismo.
II
Um revolucionário é antes de qualquer coisa alguém que, atormentado pelas imperfeições do mundo, e, agonizando com que ele concebe como o triunfo dos maus, busca a transfiguração da realidade mediante a subversão macro-cósmica, construindo sob os escombros da antiga ordem, um porvir idílico, utópico, um paraíso terreno em que as antigas explorações seriam extirpadas em prol de um Éden igualitário. Quando se trata de ajudar uma pessoa, suas ações não visam homens concretos, mas categoriais abstratas. As soluções concentram-se no planejamento central, não na virtude individual. Suprimi-se o impulso pessoal da caridade, uma das coisas mais bonitas criadas pelo Pai, em prol da ação de um ente impessoal. Maximiliano Kolbe cede espaço ao advento do leviatã totalitário, o Bom Samaritano transfigura-se na ditadura do proletariado. “O que se exige do homem é que seja útil ao maior número de semelhantes, se possível. Caso não consiga, sirva a poucos, ou aos mais próximos, ou a si mesmo”. Deontologicamente, alguém que se sacrifica por amor ao próximo é de mais estima do que o inconformista de um abstrato coletivo. Em suma, são néscios do que toda tradição, experiência, evidencias, vultos iluminados e bom senso acumulados apregoam há milênios e em uníssono, a saber, que a esfera de ação humana é muito circunscrita, a porção que nos cabe da realidade é muito ínfima, não nascemos para modificar o mundo, e que o único tipo de melhoria em que temos algum influxo, somos nós enquanto indivíduos... A natureza humana é por essência inconstante. A doença, a indecisão, a inquietação e o desespero nos acabrunham. Fraquejamos sem razão, titubeamos sem motivos, jamais estamos inteiramente isentos de agitações. Estéreis ansiedades nos assolam, nossos vãos projetos malogram, nossas especulações não se concretizam. Comprazo-me ao ver um santo, o tipo que paira acima das instabilidades da fortuna, se exprimir: “Nesta incerteza, nesta escuridão, ajuda-me Senhor.” As trevas de incerteza em que se envolve o homem são um exercício para a humildade e um freio para o orgulho. Estando sujeito à instabilidade é impossível ao homem viver sem fé. Viver, per si, constitui um ato de fé. Sem a convicção da fé só resta o caminho funesto do aniquilamento. Se o homem perde a fé na transcendência busca como substitutivo uma fé na imanência, a esperança na construção de um paraíso terrestre, em que todos os meios, incluindo o genocídio, são justificados para advento da república imaginária é um deles. Não foi sem razão que disseram: “Mas se hoje me pedissem para formular da maneira mais concisa possível a causa principal da perniciosa revolução que deu cabo de mais de 60 milhões de compatriotas, não poderia fazê-lo de modo mais preciso do que repetir: 'Os homens se esqueceram de Deus; é por isso que tudo isso aconteceu'"... O século XX, banhado em sangue, atestou da forma mais macabra possível, os riscos “ de governos que implicam uma grande reforma da humanidade, puramente imaginários”...Outubro de 1917, Rússia. Bolcheviques, mediante um golpe de Estado, ascendem ao poder, prometendo a emergência de uma nova era na humanidade, marcada pelo igualitarismo, justiça e prosperidade universal. A promessa de redenção humana deu inicio a mais de sete décadas de terror, genocídio, miséria, expurgos, deportações em larga escala, chacinas e fomes. Os gulag, os holodomor, os Khmer Vermelho são os arquétipos da condição bestial que pode afazer o homem em nome de projetos imaginários. Eis ai a odisseia da estupidez, a quintessência da parvoíce, a apoteose da imbecilidade.
III
- E então toma o jornal do nosso partido – disse o jovem, após concluir sua prédica revolucionária, com um sorriso forçado e o semblante visivelmente perturbado.
-Não – redarguiu Pirusão – Você precisa se regenerar. Deixa de lado toda essa empulhação de dialética revolucionária. Você ainda não é um homem acabado. Há uma longa estrada. Quem sabe o evangelho do Nazareno possa-lhe renovar...
- Você tá sendo um alienado, um reacionário. Um instrumento de manutenção da ordem burguesa – obtemperou, já perdendo as estribeiras, e elevando o tom de voz.
- Foda-se!
A essas palavras, a ira turvou o entendimento do jovem comunista. Com o juízo alvorotado, o rapaz se lançou em direção a Pirusão na tentativa de lhe desferir um soco. O uso excessivo de drogas parece que entorpeceu os movimentos do jovem, razão pela qual Pirusão desviou com facilidade do golpe, desferindo-lhe em seguida um cruzado de direita, que levou o rapaz a cair semi-inconsciente no chão. O outro marxista, que até então estava absorto no consumo da erva, correu aos berros em socorro do amigo. Uma zaragata constituída por vagabundos, malandros e andrajos se formou em volta, sequiosos de curiosidade. Aproveitando-se da algaravia instaurada, Pirusão, sem ser identificado, esgueirou-se para Terma 502.
IV
Raquel ou Vitória (não tenho certeza se erra esse o nome) 19 anos. Rapariga no limiar da vida adulta e da formosura. De média estatura. Prazenteira e fogosa. Tez branca. Cabelos pretos e longos. Traços finos. Seios médios, o mesmo de bunda. Corpo durinho, típico daquelas que se encontram no viço dos anos.
Com banalidades e faceirices dirigiu-se a Pirusão, que a recebeu com genuíno prazer.
Mamou no coro, com suavidade. Em seguida kikou por cima. Posteriormente ppmm. Finalizando d4. Não faz anal, mas beija sem restrição.
Positivada e recomendada!